Em política, nada se perde e nada se transforma —tudo se adapta. A relação de Jair Bolsonaro com o programa Bolsa Família, por exemplo, leva a maleabilidade da política às fronteiras do paroxismo.
Em maio de 2012, o capitão se referia à clientela do programa de distribuição de renda como "voto de cabresto do governo" petista.
Em outubro de 2014, tachou o Bolsa Família de "crime". Declarou: "Você vê meninas no Nordeste… bate a mão na barriga, grávida, e fala o seguinte: […] Esse aqui vai ser uma geladeira, esse aqui vai ser uma máquina de lavar."
No ano eleitoral de outubro de 2018, às vésperas do segundo turno, Bolsonaro virou do avesso os seus conceitos. Anunciou a inclusão no seu programa de governo do "13º salário para o Bolsa Família".
O então candidato soou como um ex-Bolsonaro: "Falar em tirar Bolsa Família é um ato de desumanidade."
Nesta quinta-feira, ao celebrar os 100 dias de governo, Bolsonaro resgatou a fatura, anunciando que pagará em dezembro o 13º benefício.
A providência é benfazeja. Num instante em que perambulam pelo mercado 13,1 milhões de desempregados, os R$ 2,6 bilhões do 13º representam um alento para quem precisa encher a geladeira.
Entretanto, mesmo quem não entende nada de política consegue perceber a politicagem por trás da medida. O objetivo de Bolsonaro não é social, mas eleitoral. Ele deseja controlar o "cabresto" que antes condenava.
Josias de Souza