terça-feira, 4 de novembro de 2025

O Estado que mata onde deveria proteger



Mais uma vez o país se depara com uma tragédia no Rio de Janeiro, ou seja, uma chacina que ceifa vidas e expõe, sem filtros, o colapso das estruturas do Estado brasileiro nas periferias e favelas. A cada operação policial, o discurso oficial tenta justificar o inaceitável - a morte de pessoas - sob o argumento de combate ao crime. Mas, por trás desse discurso, há uma verdade que não pode ser silenciada. A ausência do Estado!  

Quando o poder público se omite - negando educação, saúde, moradia digna, segurança cidadã e oportunidades -, o vácuo institucional é preenchido. As comunidades, abandonadas, passam a se organizar à sua maneira, criando formas próprias de governo, controle e justiça. Assim surgem os “estados ilegais”, dominados por facções ou milícias, que impõem leis, cobram taxas e punem quem ousa contrariar suas ordens. Trata-se de uma resposta trágica e desumana à ausência de um Estado que deveria proteger e servir.

Pior ainda é perceber que essa ilegalidade não se sustenta sozinha. Ela é alimentada, direta ou indiretamente, por pessoas e instituições que integram o próprio Estado legal. Há agentes públicos, políticos, empresários e até segmentos da sociedade civil que se beneficiam da perpetuação desse caos - seja por omissão, seja por cumplicidade.

Quando o governo decide “reagir” com operações violentas, os resultados terminam com mortes, dor e medo. A ação estatal, em vez de restabelecer a ordem, reafirma a lógica da barbárie. O Estado mata onde deveria educar; reprime onde deveria proteger; destrói onde deveria reconstruir. Depois da chacina, vêm o silêncio, a ausência e o esquecimento - até que tudo se repita, como um ciclo sem fim.

O caminho para romper esse círculo vicioso não é a força bruta, mas a presença efetiva do Estado - com políticas públicas reais. Implantar escolas de qualidade, centros de saúde, projetos de esporte e cultura, oportunidades de emprego e lazer é mais do que uma medida social, é uma solução humanitária e um dever constitucional. Nenhum Estado pode se dizer democrático se permite que parcelas inteiras de sua população vivam sob domínio armado e ilegal.

O Brasil precisa acordar para a urgência de reconstruir o pacto social que foi rompido pela desigualdade e pela indiferença. Não podemos normalizar chacinas nem aceitar que a vida dos pobres valha menos que a de qualquer outro cidadão. É hora de cobrar dos governos - municipais, estaduais e federal - não apenas operações, mas presença, compromisso e políticas que transformem realidades. O combate à violência não se faz com sangue, mas com justiça, com dignidade e com a coragem de enfrentar as causas estruturais da exclusão. A ausência do Estado Legal é o verdadeiro crime que precisa ser julgado pela consciência de todos nós.