quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Ministro culpa mídia pelas tolices que pronuncia

Está ficando monótono. O ministro Ricardo Vélez Rodríguez (Educação) concede entrevistas e depois, incomodado com a má repercussão, põe a culpa na imprensa. Em nota divulgada na noite desta terça-feira (5), Vélez levou novamente à face o semblante de vítima: "Infelizmente a mídia brasileira segue com manobras de esquivar-se dos fatos, descontextualizando minhas declarações e tentando enganar a população." 

Nesta penúltima polêmica, Vélez procurou sarna pra se coçar numa entrevista veiculada na edição mais recente da revista Veja. Nela, defendeu o retorno aos currículos escolares de uma velha disciplina: "educação moral e cívica". Alega, entre outras razões, que é uma forma de ensinar ao adolescente que viaja ao estrangeiro que as leis dos outros países devem ser respeitadas. 

Colombiano, Vélez afirmou que o brasileiro, quando viaja, comporta-se como um "canibal". Usou canibal como um outro nome para ladrão: "Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que tem de ser revertido na escola." São declarações fortes. Mas Vélez não tem nada a ver com isso. A mídia é que descontextualiza tudo. 

Vélez também esculhambou o trabalho da atriz e cineasta Carla Camurati no filme Carlota Joaquina. Queixou-se de que Dom João 6º, o príncipe regente que aportou com a Família Real no Brasil em 1808, foi retratado no filme como "um reles comedor de frango, sem nenhuma serventia." O ministro tratou a divertidíssima comédia de Camurati como se fosse umm documentário. Mas ele, naturalmente, não tem nada a ver com isso. É outra distorção grosseira da mídia.

Após elogiar o projeto conhecido como 'Escola sem Partido', Vélez ecoou Jair Bolsonaro, atacando a suposta ideologização de crianças na escola. Disse que liberdade de ensino "não é fazer o que você deseja". Avalia que "liberdade é agir, fazer escolhas dentro dos limites da lei e da moralidade. Fazer o que dá vontade não é ser livre. Isso é libertinagem." 

De repente, Vélez colocou na voz de Cazuza uma frase usada pelos humoristas do Casseta & Planeta: "Liberdade não é o que pregava Cazuza, que dizia que liberdade é passar a mão na bunda do guarda. Não! Isso é desrespeito à autoridade, vai para o xilindró". 

Lucinha Araújo, a mãe de Cazuza, chamou o ministro de "mal informado" e "leviano". Mas Vélez, naturalmente, não tem nada a ver com nada. Culpa da mídia. "Até mesmo um equívoco simples e bobo, como uma citação errônea, transforma-se em ato político", escreveu o ministro na nota oficial. Antes, o autor do erro bobo anotara no Twitter: "Liguei para Lucinha Araújo, mãe de Cazuza, para desfazer o equívoco de uma resposta que dei atribuindo a ele frase de um programa humorístico. A conversa foi tocante".

Todos devem dar crédito ao ministro quando ele diz que não tem nada a ver com determinada coisa. O crédito se justifica porque a tese, de tão repetida, tornou-se coerente. Seria muito ruim se Vélez parasse de dar entrevistas. Uma solução alternativa seria mandar tatuar na testa uma frase singela: "O ministro da Educação não tem nada a ver com isso." 

A providência eximiria o ministro de se explicar. E desobrigaria a plateia de ouvi-lo. O problema é que, ao final do mandato de Jair Bolsonaro, quando ficar constatado que a gestão de Vélez foi um desastre, não haverá culpados sobre o palco. Ora, se o doutor nunca tem nada a ver coisa nenhuma, por que passaria a ter daqui a quatro anos?

Josias de Souza