MANAUS/AM – Almino Monteiro Álvares Afonso, ministro do Trabalho no Governo de João Goulart, quando os militares tomaram o poder, considera absurda a recomendação do presidente da República, Jair Bolsonaro, aos militares brasileiros para que comemorem o dia 31 de Março de 1964.
Almino Afonso esteve em Manaus/AM na última quinta-feira, 28, para participar de um evento organizado pela prefeitura local, ocasião em que o ATUAL pediu a opinião dele sobre a recomendação de Bolsonaro.
“É tão absurda a proposição do senhor presidente que me espanta que alguém que passou, como ele passou, tantos anos no exercício militar, ignore a realidade militar de 1964”, disse, de pronto.
Almino Afonso fala com propriedade do assunto porque viveu o golpe por dentro. Como ministro do presidente João Goulart, foi testemunha ocular de toda a movimentação que resultou no golpe. Deixou o cargo em junho de 1963 e voltou para a Câmara dos Deputados. Em 1964, teve o mandato cassado pelos militares e viveu no exílio por 12 anos.
“Não dá para ignorar [o golpe de 1964]. Será que não lhe ocorre que o país passou 20 anos sem eleição para presidente da República? Será que não lhe ocorre o número de parlamentares que foram cassados? Será que não lhe ocorre o número de cidadãos que foram presos sem fundamento jurídico? Presos, torturados e muitos mortos. Há dezenas de cidadãos mortos que até hoje não sabemos onde foram enterrados. Isso é público. Será que ele ignora que para nós temos condições de recuperar a democracia foram centenas de cidadãos para o exílio; cidadãos aqui ficaram sufocados sem poder ter participação criativa, porque sufocava. Tudo isso ele ignora?”, diz, se referindo a Bolsonaro.
O ex-ministro lamenta que Bolsonaro recrie o debate sobre um passado que deveria ser esquecido, no momento em que a sociedade espera respostas para os problemas nacionais.
“Ao fim e ao cabo, isso aconteceu em 1964, há mais de 50 anos. Quantos anos, já? 60 anos quase [em 31 de março, o golpe completa 55 anos]. Pra quê recriar um debate, se o país hoje está precisando que alguém nos diga ‘vamos por aqui para criar as respostas que o país precisa’. Não é isso que nós queremos?”
Para Almino Afonso, o presidente Jair Bolsonaro “pisou em falso”.
“Eu sou mais do que da causa antiga, fui cassado, 12 anos cassado. Não é que eu me recuse a analisar aquilo, é que eu acho que hoje não é isto que o país está querendo. O país está querendo uma resposta para os seus problemas sociais, econômicos, mantida democracia na integralidade. Portanto, acho que sua excelência pisou em falso.”
Sobre o discurso inventado por Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 e repetido por militares de que foi o Congresso que afastou o presidente João Goulart e não os militares, Almino Afonso esclarece que o presidente do Congresso de então, senador Moura Andrade, não tinha opção, porque o golpe lhe batia à porta.
No dia 2 de abril de 1964, Moura Andrade declarou vago o cargo de Presidente da República e nomeou como substituto de Goulart o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli. O presidente João Goulart estava no Rio Grande do Sul em viagem oficial, e não mais retornou a Brasília.
“É porque as pessoas quando querem ser obtusas são porque querem. Você acha que eles teriam feito o golpe sem os militares na porta? A palavra do senador Moura Andrade dizendo ‘está vago o cargo!’ é real, ocorreu, eu estava lá. Mas isso bastava para se instaurar a ditadura? Não! Porque atrás disso havia todo o golpe militar em marcha, desde o dia 31 de março. A tropa do general Mourão estava marchando desde Minas. Não foi a palavra do Moura Andrade. A palavra do Moura Andrade foi para respaldar o que os militares já estavam [fazendo] nas ruas. Os quatro comandantes do Exército, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, de Pernambuco e do Rio de Janeiro, literalmente aderiram a isso. Foi o Moura Andrade que, com uma palavra estúpida, porque eu estava lá… Mas é ele que cria o Estado Militar? Não dá.”, disse Almino Afonso.
Para o ex-ministro, Bolsonaro, ao mergulhar nesse tema, não é capaz de honrar as esperanças de quem nele votou em 2018.
“É uma coisa que irrita. O cidadão [Bolsonaro] que, bem ou mal, teve a votação que teve, não é capaz de honrar as esperanças que esse povo que votou nele suponho que tenha”.
Almino Álvares Affonso
Almino Monteiro Álvares Affonso
Almino Monteiro Álvares Affonso é neto de Almino Álvares Affonso - Almino Afonso(RN). Além de ministro e deputado federal, ele foi vice-governador e secretário do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo/SP.
A foto acima é da sessão solene de entrega do Título de Cidadão a Almino Monteiro Álvares Affonso pela Câmara Municipal.